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quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Tenho pena, porque gosto de ti

Entras, cumprimentas-me com um beijo. Desapareces por um bocado. Estás a arranjar as coisas. Voltas. Entre ordenações mais ou menos violentas, levas as meninas para o banho. Fico a ouvir... Oiço crianças a rir, crianças a chorar, alguns gritos. Todos os dias igual.
Desces de novo com as nossas filhas e desapareces por um bocado. Estás a arranjar as coisas. Voltas. Trazes o meu jantar. Entre ordenações mais ou menos violentas, levas as meninas para jantar. Fico a ouvir. Volto a ouvir crianças a rir, depois a chorar, mais gritos, tu a ralhares. Decidi tentar ajudar. Hoje dou eu a sopa a uma, amanhã a outra. Portam-se tão bem! A refeição acaba e elas voltam para mim. Tu desapareces. Vais arranjar as coisas. Mas a hora já vai adiantada e já pouco consigo fazer para as entreter. Precisam de descansar. Peço-te para as levares.
Está na minha hora de recolher ao quarto. Aproveito a viagem e passo pelo quarto delas. Ajudo no que posso. Lavo os dentes a uma, aconchego-as no final. Nunca me deito sem lhes dizer boa noite! O nosso ritual de boa noite! E digo que as amo, que não vou ficar como era costume, como me pedem, mas que as amo muito e estou mesmo ali ao lado. Tu ficas.
Apareces passado um bocado. Mas eu estou cansada. E tu ainda tens tanto para fazer, e ainda tens que trabalhar. Desapareces de novo e eu fico a adormecer-me.
Tenho pena porque gosto de ti. Não sei nada de ti. Como foi o teu dia? O que fizeste hoje? Foi giro? Queres saber o que fiz? Eu estive sozinha... Hoje teve bom tempo? Mal vi a rua hoje... Tenho pena, porque gosto de ti.

Mas fico a pensar. E elas? Também terão pena? Provavelmente eu também estava assim. Fui só eu que mudei. E não foi porque quis. E agora dou por mim a ver as minhas filhas, a falar com elas, a brincar. Penso nas coisas que podemos fazer juntas, comigo nesta posição, nesta condição. Mas elas já não perguntam. Correm para mim quando chegam. E vejo-as crescer. Como é que cresceram tanto ultimamente? Como é que não percebi? E paro e dou Graças a Deus por me ter dado a oportunidade de ver as minhas filhas, de dar valor ao que sempre aqui esteve. A dar ainda mais valor aos seus corpos enrolados no meu, procurando o meu calor e segurança quando a noite as atraiçoa. Novos hábitos, novas rotinas. A manhã já não começa no quarto delas, mas na minha cama, entre beijinhos e carinhos, e muito muito amor.

E fico a pensar. Tenho pena, porque gosto de ti...

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