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quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Ser mãe não é fácil

Tenho a cabeça a latejar. Tenho sono, sinto-me um pote de ansiedade, preocupação e medo. Tenho um prazo muito dificil para cumprir, profissionalmente. Mas o Mundo não parou por minha causa. O Mundo não parece sequer ligar, ou estar minimamente compreensivo com o meu estado de espírito. Perante a minha pouca disponibilidade mental, as minhas filhas também não parecem compadecer-se. Deveriam? Gostava que a resposta fosse outra, mas elas são apenas crianças a serem crianças, e eu? Eu antes de qualquer outra coisa, vou ser sempre mãe...
Nem sempre vou ser a mãe que gostaria, nem sempre vou conseguir, nem sempre me vai apetecer sequer tentar. Posso apenas prometer que me vou esforçar, vou tentar.

Mas esta conversa toda porque hoje, enquanto mãe e pessoa, tive que lidar com sentimentos dificeis e contraditórios. Como é que é possível querer abraçar e "espancar" a mesma criança ao mesmo tempo?

A tia Ná deu um livro à M. Não é apenas um livro, é o seu livro! Uma relíquia em forma de livro. O seu livro preferido de infância, e ela deu-lhe. Só por isto, aquele livro já tem o dobro do seu tamanho.
A M adorou. Há vários dias que o elegeu como o seu preferido também. Passeia-o, folheia-o vezes sem conta. Ontem pediu-me para ficar com o livro ao pé de si na cama. Sei que "a cama" não é uma situação fácil para a M, por isso deixei...

Mas houve um zaguizado. Ela portou-se mal e eu ralhei. Acho qua talvez me tenha portado mal também. O que se sucedeu calculo que tenha sido uma descarga de frustração. "Estou zangada! Não quero dormir! E a mãe ralhou!" Deve ter sido mais ou menos esta a lógica de pensamentos, presumo eu. E numa incapacidade de lidar com toda uma avalanche de sentimentos, o livro, o tão adorado livro, foi quem sofreu.

Mais tarde, já todos dormiam, fui ao quarto como sempre, tapar as meninas. O meu coração não queria acreditar quando viu o livro rasgado em mil bocadinhos. Ela dormia serena. O meu marido disse que achava que o livro deveria ficar assim até ela acordar e que deveriamos falar com ela, em vez de ralhar. Concordo! Ou concordaria se fosse capaz...

De manhã, sozinha com as duas, veio a tal conversa: "A mamã está triste com o que tu fizeste. E a tia Ná ainda vai ficar mais triste quando souber. Quando estamos zangados não devemos estragar as coisas. Para além de não resolver nada, ainda nos faz sentir melhor e deixar os outros tristes". O primeiro impacto não foi mau. Ela respondeu que é uma menina crescida e que não pode estragar os livros. Também disse que ia apanhar o livro para a mamã.

Mas o meu coração estava realmente magoado. Senti-me ferida! Estava a fazer um esforço enorme para me controlar. Para ser paciente e compreensiva. Estava a tentar não a julgar ou castigar, como se o seu nível de maturidade fosse igual ao meu. Mas não é fácil. Quando temos o coração cheio de sentimentos maus, é dificil criar espaço para se ser positiva.

Também lhe disse que íamos tentar arranjar o livro logo à noite. Dizer que fez mal sem lhe dar uma alternativa para tentar minimizar o estrago, é pouco útil. Mas ela percebeu que eu não estava assim tão calma. Ela também não estava assim tão calma. E começou a exigir de mim. Disse-lhe que estava nervosa e que não me queria chatear. Que estava a fazer um esforço para não ralhar nem me chatear, e que ela me devia dar uns minutos. Mas ela não o fez. Ela não o sabe fazer! Ela não entende. Se eu não consigo controlar as minhas emoções para ajudar a minha filha a aprender com o que fez, como posso esperar que a minha filha de (quase) 3 anos controle as suas? Seguiu-se uma enorme birra!

A minha resposta não foi a melhor. Distribuí gritos por tudo e por todos. Gerei um clima de confusão e hostilidade. Eu também estava a fazer birra. Eu também estava a exteriorizar a minha tristeza e frustração. E também não da melhor forma possível. Se calhar devia ter ido rasgar um livro ou dois... Os livros são bens materiais. É certo que os devemos preservar. Devemos cuidar dos objectos, e cuidar também daqueles que são especiais para os outros. Mas no fundo, não passam de objectos.

Cada grito que dei às minhas filhas, cada ralhete, cada atitude menos correcta, vai moldar a forma como elas vão reagir às suas próprias emoções no futuro. O meu papel de mãe é ensinar-lhe caminhos para lidar com as emoções e dificuldades que elas vão encontrando. Mas como fazer isso quando nem eu consigo controlar as minhas? Como posso exigir a uma criança algo que nem eu consigo fazer? É assim tão diferente o que eu fiz do que ela fez? Será que ela deixou as pessoas mais tristes com o que ela fez, do que eu?

Pensar nisto com distanciamento permite ver as coisas de outra forma, embora não me garanta que vá fazer melhor de futuro. Vou pelo menos tentar! Talvez devesse fazer um poster e colocar no meu quarto para não me esquecer:

Uma criança de 3 anos não entende o sentimentalismo associado a objectos.
Uma criança de 3 anos não consegue controlar os seus impulsos em caso de frustração.
Uma criança de 3 anos não tem real noção das consequências das suas acções.
Uma criança de 3 anos não sabe lidar com a maior parte das emoções fortes.

Mas um adulto sim...

1 comentário:

  1. Perspectiva positiva da coisa: racionalizaste e estás no bom caminho. Há quem fique no estado primário em jeito de caldo emocional.

    Ao contrário do livro que lhe deram, o meu pequeno, por volta dessa idade também resolveu num dia de mau humor atacar o meu livro de aves, que já tinha uns bons 30 anos..também o adorava e também o desfez. Consegui colá-lo e volta e meia, a propósito, mostrava-lh0o, salientando que a pessoa deve tentar controlar-se quando está em estado de fúria, porque senão acaba por estragar coisas (e pessoas) de que gosta.. Na altura, se bem me conheço e apesar de já não estar registado mentalmente, muito devo ter berrado com ele - é inevitável!... o que recordo de facto é que vou tentando, quando me controlo, mostrar-lhe, dizer-lhe mesmo: "estás a ver? a mãe está a controlar-se para não entrar em fúria.." é com o do trânsito, é com eles, é com tudo afinal.... Se resulta? Não sei, mas por vezes ele fala da sua fúria, que não se conseguiu controlar, e que foi uma fúria sem sentido (esta última parte é mais com caretas que ma diz... pessoalmente acho que o já ter consciência é já (tentativa) um princípio do fim.

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